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Coesão Referencial e Temporal


A coesão referencial e temporal obtém através de cadeias de referência, isto é, um conjunto de termos ou expressões (correferentes) que remetem para a mesma entidade (referente). O referente é o termo que designa a entidade ou situação (do mundo real ou imaginário) a que o falante se refere: - O Benfica venceu... Os correferentes são os elementos ou ocorrências textuais sem referência autónoma que remetem para o mesmo referente: - O homem que observava as estrelas viu o seu telescópio roubado por dois meliantes. - A Joana mudou de curso. Os pais apoiaram-na nessa sua decisão e estão ao lado dela incondicionalmente. ([A Joana] + [na] + [sua] + [dela] = cadeia de referência) Podem integrar as cadeias de referência as anáforas, as catáforas, as elipses e a correferência não anafórica. 1. Anáfora A anáfora ou termo anafórico consiste na retoma - total ou parcial - do referente de palavras anteriormente inseridas no texto. Ou seja, o referente antecede, na frase, os seus correferentes ou termos anafóricos. . Na semana passada, visitei a minha antiga escola primária. Há muito tempo que não a visitava. Guardo belas memórias dos quatro anos que lá estudei. O antecedente «a minha antiga escola primária» é retomado através dos termos anafóricos «a» e «lá». Estes dois termos só são interpretáveis por referência à expressão «a minha antiga escola primária». Por outro lado, os três elementos sublinhados constituem uma cadeia de referência porque remetem para a mesma entidade. A anáfora pode ser: . nominal: «A casa que Os Maias vieram habitar em Lisboa, no outono de 1875, era conhecida (...) Apesar deste fresco nome de vivenda campestre, o Ramalhete, sombrio casarão de paredes severas, com um renque de estreitas varandas de ferro no primeiro andar, e por cima uma tímida fila de janelinhas abrigadas à beira do telhado (...)». A anáfora concretiza-se pelo uso de merónimos do termo antecedente «casa». Os referentes dos termos anafóricos, neste caso, não coincidem totalmente com a repetição do termo antecedente, estabelecendo com ele uma relação de implicação do tipo parte-todo. Nestes casos, a anáfora é não co-referencial, sendo designada por anáfora associativa. . verbal: «Jorge Jesus afirmou que o Benfica jogou bem. Disse também que a pior equipa fora a de arbitragem.» O verbo «dizer» retoma o antecedente «afirmar». . pronominal: «Em casa havia um tambor. Tinham-lho oferecido pelo Natal.» Neste caso, estamos perante uma anáfora pronominal , uma vez que o pronome «o» substitui o nome («tambor») que o precede. . adverbial: «Ao longe, no alto mar, há ainda o exercício da pesca. Há lá homens. Não os vejo.» (Vergílio Ferreira, Até ao Fim) O advérbio «lá» remete para a expressão «no alto mar», que surge antes no discurso. Note-se que, no exemplo, ocorre ainda uma anáfora pronominal, visto que o pronome «os» («Não os vejo.») retoma o antecedente «homens». Outros exemplos:

  • «Quando cheguei a casa, o meu filho tinha saído.» («Tinha saído» é um termo anafórico porque a sua interpretação depende de «cheguei», a forma verbal que identifica o ponto de referência temporal do locutor.)

  • «A guerra não poupa velhos, mulheres e crianças. Todos sofrem.» («Todos» é um termo anafórico dos nomes antecedentes: «velhos», «mulheres« e «crianças».)

  • «A Maria foi ao cinema e a Sofia, sua prima, também.» («Também» é uma forma de retoma anafórica de «foi ao cinema».)

  • «A residência dos Caetano transpira bom gosto. A decoração é luxuosíssima.» («A decoração» funciona como anáfora contextual = «A decoração da residência dos Caetano».)

  • «A Miquelina comprou um gato há dias, mas o animal já conhece os cantos à casa.» (a anáfora nasce de uma relação de hiponímia / hiperonímia: «o animal» - hiperónimo - retoma o antecedente «um gato» - hipónimo)

  • «A sala de aulas está degradada. As carteiras estão todas sujas.» (neste caso, a anáfora decorre da relação holonímia / meronímia: «as carteiras» - merónimo - são parte do todo «a sala de aulas» - holónimo);

  • «A Joana penteou-se cuidadosamente.».

2. Catáfora

A catáfora consiste na retoma do referente de palavras posteriormente inseridas no texto. Dito de forma mais simples, os correferentes antecedem, na frase, o seu referente.

  • «João Gadunha fala de Lisboa onde nunca foi. Tudo nele, os gestos e o modo de falar, é uma imitação mal pronta dos homens que ouviu quando novo.» (o vocábulo «tudo» remete para elementos que surgem adiante, na frase: «os gestos», «o modo de falar».);

  • «Com o meu irmão tudo foi diferente, sabe, as mulheres preferem-nos, aos filhos.» - Ana Paula Inácio, Os Invisíveis (o pronome pessoal «nos» remete para uma expressão - «os filhos» - que surge posteriormente na frase.);

  • «Todos os rapazes se tinham apaixonado por ela. Todos a amavam secretamente. A minha prima era lindíssima.» (os termos anafóricos - os pronomes «ela» e «a» - surgem antes da expressão nominal com que se relacionam - «a minha prima».);

  • «Em casa havia um tambor. Tinham-lho oferecido pelo Natal. Mas o garoto não soubera regrar o entusiasmo...» (o pronome «lhe» antecede a expressão nominal a que se reporta - «o garoto».);

  • «Se soubesse o que o destino lhe reservava nos próximos tempos, talvez Luís Bernardo Valença nunca tivesse apanhado o comboio...» - Miguel Sousa Tavares, Equador [só a posterior referência a «Luís Barnardo Valença» possibilita esclarecer a elipse (omissão) do sujeito da forma verbal «soubesse» e identificar o pronome «lhe» como correferente do nome próprio];

  • «A mãe olhou-o e disse: - Pedro estás mais magro.»;

  • «A minha mãe teve dois netos: o Miguel e o Ricardo.»;

  • «O motivo do crime foi o seguinte: ciúme.».

3. Elipse

A elipse consiste na omissão de certos elementos na frase, dado que os mesmos são facilmente identificáveis a partir do contexto linguístico (1) ou extralinguístico (2) e a sua repetição é desnecessária:

  1. «O João caiu e [] foi parar ao hospital.»;

  2. «A gotinha de água era muito infeliz; porém, [] não estava só.».

4. Correferência não anafórica

Neste caso, duas ou mais expressões linguísticas (grupos nominais, adverbiais ou preposicionais) remetem para o mesmo referente, sem que exista dependência referencial entre si. Assim, a relação de correferência entre elas é estabelecida a partir do saber compartilhado dos falantes e do contexto extralinguísticos. . «O Francisco foi estudar para a Suíça. O filho da Cristina realizou o seu desejo.» As expressões «O Francisco» e «O filho da Cristina» remetem para o mesmo referente. No entanto, ambas as expressões têm referência autónoma, pelo que só quem conhece a Cristina é que sabe que ela tem um filho chamado Francisco. . «O Rui foi trabalhar para África. O marido da Margarida está feliz.» . «A minha prima ganhou um prémio. Sempre acreditei que a Liliana seria uma advogada de sucesso.» As expressões «A minha prima» e «a Liliana» identificam a mesma entidade, sem que nenhuma delas funcione como termo anafórico. A interpretação dos dois termos como remetendo para o mesmo referente exige que os interlocutores parti- lhem esse conhecimento, isto é, que o interlocutor saiba que o locutor tem uma prima chamada Liliana. . «O primeiro-ministro demitiu-se. O chefe do Governo sucumbiu à contestação. Atente-se, agora, no exemplo seguinte: . . «Camões viveu no século XVI. O autor de Os Lusíadas é um dos maiores es- critores portugueses.» Neste caso, «Camões» e «O autor de Os Lusíadas» são correferentes, o que quer dizer que: - ambas as expressões remetem para a mesma realidade, têm o mesmo referente (um escritor); - nenhuma delas depende da outra para que esse referente (esse escritor) seja identificado: ao falar de «o autor de Os Lusíadas», facilmente depre- endemos que se trata de «Camões» (desde que conheçamos a sua auto- ria da obra em questão). O mesmo não sucede, porém, no enunciado que se segue: . «Sancho Pança é um criado bonacheirão. Só ele teria paciência para aguen- tar a imaginação delirante de D. Quixote.» Neste exemplo, «Sancho Pança» e «ele» possuem o mesmo referente, isto é, representam a mesma realidade - são, portanto, correferentes. No entanto, o pro- nome «ele», sem o seu antecedente, «Sancho Pança», não identifica a realidade que pretende representar. Assim, podemos concluir que:

  • «Camões» e «o autor de Os Lusíadas» representam a mesma realidade; são, por isso, correferentes. Como nenhum destes elementos depende do outro para que tal realidade seja identificada, a correferência, neste caso, é não anafórica.

  • Com a expressão nominal «Sancho Pança» e o pronome «ele», a situação é diferente: os dois elementos são correferentes no contexto em que surgem, pois representam a mesma realidade. No entanto, neste caso, o pronome «ele» constitui uma anáfora - só através de um elemento anteriormente introduzido («Sancho Pança»), para que remete, identifica um segmento da realidade. Nesta circunstância, a correferência é anafórica


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