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Manuel de Sousa Coutinho

Manuel de Sousa Coutinho, assim era o seu verdadeiro nome, nasceu em Santarém, cerca de 1555, e era filho do nobre Lopo de Sousa Coutinho e de uma senhora da casa dos condes dos Marialvas. Enquanto fidalgo dedicado às Letras e às Armas, seu pai influenciou profundamente a sua decisão de frequentar cursos regulares de Humanidades nos quais atingiu um elevado grau de cultura literária que lhe permitiu prosseguir o caminho das Letras.


Talvez como recompensa pelos serviços militares prestados por seu pai, foi, por alvará de 31 de março de 1572, considerado moço fidalgo, tendo manifestado, no seguimento da corrente da época no Ocidente, um grande fervor religioso que o animou a alistar-se como noviço na Ordem de Malta, então "a mais forte guarda avançada da Europa cristã contra a ameaça turca". Em 1577, na Sardenha, é feito prisioneiro e levado pelos mouros para Argel, com o seu irmão André de Sousa Coutinho, tendo aí conhecido Cervantes. Posto em liberdade, foi para Valença, onde permaneceu e onde, sob o magistério do humanista valenciano Jaime Falcão, completou a sua formação cultural. A influência deste humanista vai ser homenageada na sua obra Ópera Poética , considerando-o como um mestre a quem devia todo o seu saber, nomeadamente o conhecimento da arte poética de Horácio.

Regressando a Portugal, rapidamente ganhou a confiança dos governadores do reino, que o colocaram num posto dos quadros militares do Estado. Dois meses antes da invasão do duque de Alba, em 6 de abril de 1580, Manuel de Sousa Coutinho é nomeado alcaide-mor do Castelo de Marialva e capitão das ordenanças da vila e, em 1582, o rei Filipe II faz-lhe uma mercê de 200 mil réis anuais. Em dezembro deste mesmo ano, é promovido a fidalgo escudeiro. Casou, em dezembro de 1583, com D. Madalena de Vilhena, viúva de D. João de Portugal, filho de D. Manuel de Portugal, a quem Luís de Camões endereçou a Ode VII como gratificação pelo patrocínio à publicação de Os Lusíadas . Do primeiro casamento de D. Madalena nasceram três filhos: D. Luís de Portugal (morto em Ceuta), D. Joana de Portugal e D. Maria de Vilhena, os quais foram educados pelo novo casal que, por herança da mãe de D. Madalena, era detentor de uma grande fortuna. A partir de 1590, a família fixou-se em Almada, tendo Manuel de Sousa Coutinho desempenhado vários cargos na Misericórdia. Aqui, e embora longe da cidade, nem sempre conseguiu afastar-se do bulício da capital e do desencanto da cena política e social do fim do século. Em 1592, vai aproveitar uma quantia do dote do enteado para contratar e equipar uma expedição a Tânger e, em 1594, é promovido pelo rei a fidalgo cavaleiro com um aumento de moradia de 400 mil réis. Em 1598, desempenha as funções de guarda-mor da saúde e de capitão-mor da gente de cavalo e de pé das milícias locais. Porém, nem sempre a sua vida se norteou por esta pacatez. Assiste-se, então, a alguns conflitos com os governadores do Reino, que o notificaram da proibição de entrar no paço e na residência destes. Esta atitude foi enfrentada por Manuel de Sousa Coutinho com altivez. Entretanto, assolada pela peste a cidade de Lisboa, a população começa a fugir e a Administração, procurando em Alcochete e Almada ares mais saudáveis, dá a Manuel de Sousa Coutinho ordens para despejar e abandonar a sua casa para que nela se pudessem alojar. Sentindo-se ofendido por esta atitude, este parte para Madrid e manda incendiar o palácio, defendendo, assim, o seu código de honra, recusando-se a cumprir imposições que considerava incompatíveis com a sua condição de fidalgo. Regressa a Portugal em 1 de maio de 1600, publica a Ópera Poética de Jaime Falcão e recupera as suas funções de capitão-mor e guarda-mor da saúde pelas quais será compensado, em 1601, por Filipe III, com uma tença de 50 mil réis. O gosto pela aventura "transporta-o" para lugares da América espanhola e apenas as saudades da pátria, da mulher e da filha o fazem regressar, conforme o próprio confessa no poema latino Navigatio Antartica . Não se conhecem as verdadeiras razões que levaram Manuel de Sousa Coutinho e D. Madalena de Vilhena a procurarem o refúgio no claustro dominicano - ele em Benfica, com o nome religioso de Frei Luís de Sousa, e ela no Convento do Sacramento, em Lisboa, com o nome de Sóror Madalena das Chagas - assim como sobre a data e as razões da morte de sua filha. Este desconhecimento vai permitir os naturais comentários sobre a situação que com o tempo se transformariam numa lenda romanesca (chegada do forasteiro que conhecera nos lugares santos de Jerusalém alguém que dela ainda "muito se lembrava" e identificara na galeria dos retratos de família o de D. João de Portugal que todos pensavam morto em Alcácer Quibir. Perante esta situação D. Manuel de Sousa Coutinho propusera a profissão no convento). Esta lenda forneceu a matéria para Almeida Garrett escrever Frei Luís de Sousa . Lenda porque na verdade, e segundo Aníbal Pinto de Castro e Gladstone Chaves de Melo, in Introdução e fixação do texto da obra A vida de Frei Bartolomeu dos Mártires de Frei Luís de Sousa, edição Imprensa Nacional-Casa da Moeda, "à data do segundo casamento e depois deste, a morte de D. João de Portugal estava e fora documentalmente provada". Por isso, e ainda de acordo com os autores citados, a decisão de professar parece estar ligada a um fervor religioso que assomou Portugal na época e que ambos os esposos aceitaram conscientemente e deliberadamente, desiludidos com o desconcerto do mundo, o que patenteia o espírito humanista de Manuel de Sousa Coutinho. Dividido ente o pecado e o dever, encontrará na religião e no casamento a sua via de realização pessoal. Repartido entre a aceitação do domínio estrangeiro e a consciência de que é um súbdito desse poder, este fidalgo enforma um "ser" em constante e dolorosa procura da identidade. Assim, vai encontrar a tranquilidade de espírito com o ingresso no convento, onde professou a 8 de setembro de 1614, conciliando a fé com o "seu sentido de cultura humanista", que a idade foi amadurecendo. Aqui, assumiu uma vida de "extrema pobreza, severa austeridade e rigorosa penitência", preenchendo os ócios com uma profunda dedicação aos cuidados corporais e espirituais dos doentes, como enfermeiro. É nesta altura que, rodeado de livros e de um ambiente propício à cultura, se dedica à literatura e ao seu enriquecimento espiritual, e escreve a História da Ordem dos Pregadores e a Biografia do Venerado Arcebispo de Braga, Frei Bartolomeu dos Mártires . A sua obra reflete a sua cultura humanística, através das citações de Plínio, Ptolomeu, Políbio, Cícero, Diógenes de Laertes, Horácio, Tito Lívio, Plutardo, Séneca e outros, assim como de historiadores peninsulares, nomeadamente Frei Prudêncio de Sandoval. Não cedeu à sedução da cultura livresca, dando maior importância à sua experiência de vida e da visão que desta foi formando "como bom aluno que fora da Universidade do Mundo". Esta experiência do mundo permitiu que as suas obras, graças ao seu profundo pendor criativo, se transformassem em verdadeiras "narrativas animadas" que fazem renascer figuras, casos e sentimentos, reconstruindo os factos como se os tivesse vivido e presenciado in loco . Este espírito criativo e renovador vai orientar a sua obra principal, A vida de D. Frei Bartolomeu dos Mártires , onde "o escritor, o biógrafo e o historiador se conciliam com harmonioso equilíbrio". Na verdade, e embora não esquecesse os aspetos biográficos que considerava importantes, delineou um fundo contextual, abordando aspetos sociais, geográficos e humanos. Preocupou-se, então, em pesquisar documentos e em visitar locais vivenciados pelo seu biografado, podendo, assim, com maior rigor, opinar sobre os factos narrados. Tendo um carácter panegírico e abonatório, a sua obra não contém nenhuma "inverdade" sobre a vida e o perfil de Frei Bartolomeu, marcados pela "humildade, caridade, pobreza, oração, frontalidade, sentido de dignidade episcopal, inteligência e tenacidade".


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