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Cartas

de

Amor

e

Saudade

Carta 1 - Nós Aceitamos o Amor que Merecemos

10 de outubro de 2017.

 

Olá, talvez possas estar a perguntar ao teu nobre ser a razão para te estar a escrever, mas a realidade é que nem eu sei a razão para tal, apenas sei que neste momento é o que tinha que o fazer.

Provavelmente em algum momento da vida já te deves ter encontrado a perguntar a ti próprio o que vais fazer para tornar o teu ano escolar em grande e memorável por muito tempo. Se não, não têm problema. Mas eu pensei, pensei em algo que já estava minimamente estruturado com cabeça corpo e membros, até que tu entra-te na mesma escola que eu. Nessa altura eu andava no nono ano e tu estavas no décimo, mas não era por estares no décimo que te estou a dizer isto, mas sim, porque tu tinhas algo que não sei como nem sei porquê fazia-me ter um frio na barriga, um sentimento que há muito não sentia.

Entretanto os anos foram se passando e eu não consegue ganhar coragem para falar contigo. Neste momento eu estou no décimo primeiro e tu no décimo segundo, um finalista já e provavelmente depois de concluirmos este ano escolar nunca mais irei voltar a ver-te. E isto é uma das razões por estar a fazer o melhor de mim, estar a escrever-te com o todo o meu ser, as palavras anteriormente redigidas, sabes por quê? Porque cansei-me de olhar para ti e não ter coragem de te falar, cansei-me de ver-te andar pela escola e não conseguir acenar-te, cansei-me de ir no mesmo autocarro que tu e não conseguir me sentar ao teu lado, cansei de ser cobarde.

Não sei, não faço a menor ideia do que pensas da minha pessoa, mas não quero dizer-te um "adeus" invisível antes de te ires embora. Quero que saibas tudo isto porque isto é o que sinto, chama-me de bobo ou podes mesmo dizer "este moço está só a brincar, eu nunca falei com ele", mas uma coisa que aprendi em Línguas e Humanidades é que nunca devemos esconder quem somos ou o que gostamos pois são essas coisas que fazem os outros gostarem de nós, temos de ser autênticos.

Também não sei o que sentes, mas não sei, algo nos teus olhos diz-me mais, diz-me para tentar, mas posso estar apenas a imaginar coisas sem nexo nenhum, mas uma das coisas mais importantes da vida é o amor, e esse sentimento por mais que busques também não têm nexo.

Arriscar, era algo que não tinha no meu dicionário, mas tive que escrever esse significado para conseguir estar aqui agora, a arriscar dizer-te aquilo que o meu coração diz, aquilo que ele manda os meus dedos escreverem neste teclado, posso estar errado, mas o meu coração é o meu coração e eu só estou a segui-lo independentemente do que aconteça a seguir.

Nós aceitamos o amor que merecemos, realço mais uma vez, talvez o que mereça seja isto, algo que não tenha coragem de dizer.

Não espero resposta pois provavelmente nem vais ler nada do que o meu coração acabou de escrever, mas eu cansei-me, cansei-me de não tentar.

Carta 2 - Ajuda-me a Desistir de Ti

21 de novembro de 2018.

 

Hoje sento-me ao teu lado, mas rodo o meu corpo a 45º para conseguir ficar à tua frente. Vejo como pegas nos teus materiais de desenho e te focas plenamente no teu caderno e nos teus lápis, enquanto que eu, deste lado do autocarro encontro-me perante a dificuldade de continuar a escrever, porque no fim de cada palavra que escrevo, os meus olhos desviam a atenção para ti. Quem me dera dizer que o motivo de ter começado a escrever do nada és tu, foi a tua serenidade ao passar com o lápis pelo papel que me inspirou a pegar do meu caderno e a começar a escrever esta carta.

Gostava de poder falar contigo com a facilidade que tens de transformar um rabisco numa pintura. Gostava de poder sentar-me ao teu lado e poder dizer como esse desenho é absurdamente divinal, mas não posso, pois entre nós existe uma barreira. Existe um banco ao teu lado onde a descansa a tua mala e existe um banco ao meu lado onde descansa toda a minha cobardia, que com o olho meio aberto espera a pela oportunidade para atacar. Espera pelo momento em que eu decida ir ter contigo para me agarrar e me prender de volta ao meu lugar.

Queria imaginar, imaginar apenas que não estávamos no autocarro, mas sim num campo, e que o desenhas não é algo abstrato, mas sim o meu retrato. Eu queria imaginar muitas coisas, mas não o consigo fazer, algo mais forte que eu me prende ao real, e por mais que tente me libertar a realidade de que não o consigo fazer é mais forte. Por isso escrevo mais uma carta, porque de alguma forma só o facto de a estar a escrever esta carta faz-me ficar mais próximo de ti e isso reconforta-me, pode ser pouco, mas reconforta-me.

Racionalizo agora, ao som de uma música alegre que do nada ficou triste para mim, o futuro que nunca teremos e as palavras que nunca diremos um ao outro. Penso agora em todos aqueles momentos que não vão existir, mas mesmo assim penso que poderia ter a oportunidade de estar perto de ti e de dizer para não deixares a cama que pertence ao dois, mas isso são apenas pensamentos que não deixarão de o ser.

Agora trago isso para o meu passado. Pergunto ao universo porque não estavas lá, no momento mais horrível da minha vida o momento em que a minha mãe diz que sou nada, porque não estavas lá para segurar a minha frágil mão e colheres as minhas frágeis lágrimas e dizeres por mais mentira que fosse que iria ficar tudo bem. Gostava que fosse mentira o momento em que bêbado disse a uma das tuas amigas que gostava de ti. E queria, mesmo não querendo que de certa forma aquelas palavras tivessem chegado aos teus ouvidos, para ouvires por mais indiretamente que seja, aquilo que eu não tenho coragem para te contar pessoalmente, aquilo que de certa forma tento esconder quando te vejo.

Tento! Tento fortemente não levantar a cabeça desta mera folha de papel para olhar para o teu rosto que como antes continua calmo e sereno, uma calma e serenidade que só tu tens. Não consigo levantar a cabeça porque tenho medo que olhes de volta para mim e repares que estava a olhar para ti e que possivelmente o que estou a escrever fosse para ti também.

Houve um dia. Já faz tempo. Pensei que seria o último dia eu iria ver a tua nobre figura. Mas afinal fui enganado pelo universo. Será isso algum sinal? De que o universo nos quer juntos? Estavas igual ao que pensava ser o último dia que te ia ver. De alguma forma deixas-te a tua barba crescer e fico a imaginar se terá sido por mim. Eu sei a resposta, mas mesmo assim tento me iludir para esconder a amargura que sinto dentro de mim.

Porque não me ajudas a deixar de gostar de ti? Não me faças correr este caminho de angústia, diz logo da forma mais crua que não me desejas, para eu poder por fim seguir o meu caminho. Porque não me ajudas a deixar de gostar de ti? Os nossos caminhos são sempre cruzados, estás sempre no sítio errado à hora errada, ou seja, estas sempre onde eu estou ao mesmo tempo que eu. Achas que não chega já te ver na escola e no autocarro? Pelos visto não, porque não consigo esquecer-te se tu cada vez que entro na FNAC® ou mesmo vá a uma pizzaria estás lá também. Não sei se te lembras, mas isso já aconteceu, mais do que uma vez, pois uma eu esqueço, mas quando cruzamos caminhos frequentemente eu procuro um sinal, uma pista para aquilo estar a acontecer comigo. Será que não queres que eu te esqueça? Ou a minha cabeça já está a confundir tudo?

Neste momento já não sei se te quero esquecer ou não, mas se quiser podias dar-me um beijo de despedida, mas em vez disso ganho um silêncio eterno e arrebatador que me corrói o coração como nada antes o tivera feito.

Eu só queria que por um minuto pensasses em mim. Olhasses para mim e dissesses que nesse desenho está o meu retrato, para que eu possa dizer que enquanto tu me desenhavas eu escrevia-te como se ambos estivéssemos na mesma página do pensamento, como se criássemos um universo paralelo só nosso por dois segundos, onde eu possa dizer nesses dois segundos as horas que penso em ti.

Mas oh! O autocarro parou e era a minha vez de sair. Tu continuas sereno no teu lugar sem desviar o teu olhar do desenho que eu queria que fosse o meu retrato. E eu caminho em direção à saída tentando arranjar coragem de olhar para trás e dizer tudo aquilo que sentia, mas em vez disso desci os degraus do autocarro e percorri o caminho até casa onde contei na minhas lista mais um dia que não disse aquilo que te queria ter dito, e contei mais uma carta que queria ter-te entregue e não o entreguei.

Porque não me ajudaste a desistir de ti?

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Pintura aquarela

Carta 3 - Apenas Preciso de Um Sim.

26 de novembro de 2018.

 

Por mais persistente que seja nestas cartas, não consigo fazer passar estas palavras para ações. Escrevo um, duas, até três cartas, mas nenhuma delas vai ser lida por ti. Apenas eu as leio e finjo que está tudo bem. Não está tudo bem. Eu não quero que esteja, porque isso iria significar que te esqueci e eu não quero isso para o meu coração.

Eu sei que desejei o desejei na última carta, mas eu apercebi-me que sou feliz a gostar de ti.

Neste momento estou naquele parque onde nos a imaginei a nós e à nossa história. Imagino que estás sentado ao meu lado enquanto me reconfortas com as tuas mão quentes. Tu sabes que quando me seguras nas mãos estás a segurar no meu coração, por isso não pares de segurar nestas mãos que para muitos não são nadas, mas para mim são o mundo. Vejo o modo de como olhas ao teu redor e como aprecias cada detalhe desta pintura viva.

Porque razão não posso eu ter esses momentos de verdade? Porque razão eu continuo em buscas destes momentos imaginários ao invés de procurar os reais que são mil vezes melhores que esta tortura mental? Será que é medo? Mas medo de que? Eu preciso que me ajudes a descobrir que medo é este que me atormenta e me leva a esconder o que sinto de ti. Poderá ser medo das pessoas? Não pode ser! Porque eu deixei de me preocupar com o que as pessoas pensam sobre a minha pessoa.

Talvez seja o medo da tua resposta. Como o medo da tua negação me afecta. Só de pensar nessa negação, o meu corpo paralisa, porque eu sem ti não sou nada, não tenho objetivos para viver nesta terra nem determinação. Sendo nada como poderia eu te amar?

Eu quero estar contigo desesperadamente, sem barreiras e com toda a minha verdade. Eu estou disposto a superar tudo para poder estar contigo, eu apenas preciso do teu sinal, afirma o teu amor por mim, para assim eu poder finalmente suspirar de alivio e deixar com que estas cartas sejam entregues, para que finalmente saibas aquilo que sempre te quis dizer mas não tive coragem de o fazer. Podes depois, quando já formos mais velhos, entregar essas cartas aos nossos filhos, para que eles vejam o quanto o meu amor por ti é verdadeiro.

Mas para isso eu só preciso do teu Sim!

Campo de trigo

Carta 4 - Um Grito No Vazio

24 de fevereiro de 2019.

 

Neste momento não sei o que estou a sentir, estou num misto de emoções e a única coisa que consigo fazer é escrever. Sinto-me sufocado, e mal consigo respirar. Parece que a qualquer momento algo dentro de mim vai explodir e o meu medo é não saber o que vai acontecer. Não consigo descrever o que sinto, pois sinto várias coisas. Tento fazer alguma coisa para me ajudar a abstrair, mas cada vez que tento há um vazio que me prende, fico imobilizado e não consigo agir ou mesmo pensar. Estou forçado a sentir dor neste momento, ou medo, ou tristeza. Estas emoções reinam o meu corpo agora e a cada minuto que passa a minha respiração se torna mais  pesada. Olho constantemente para o relógio e vejo os meus batimentos cardíacos, pois parece que tenho o meu coração a bater de uma forma descontrolada, mas eles estão normais ou até lentos. Tento respirar profundamente, mas a música que estou a ouvir não me deixa pensar direito. Tento tirá-la, mas algo no meu subconsciente não me o deixa fazer, talvez queira que sofra com esta ansiedade que estou a sentir.

É de noite e mesmo estando escuro a minha única vontade é de sair deste quarto que me prende e respirar ar puro, chorar e andar. Tenho uma vontade de andar sozinho pela minha terra, quero caminhar sozinho enquanto ouço o som da noite e olho para o meu redor. Sinto que o meu corpo está duro, quase uma pedra e sinto que os meus dedos estão a ser forçados a escrever algo que não querem, parece que eles querem que mantenha isto só para mim, mas eu tenho que partilhar, tenho de ver se este misto de sensações passa com a escrita.

Este texto é um misto de assuntos que provavelmente não irei conseguir entender quando terminar.

Só me apetece chorar, largar tudo para fora, mas a vida não me deixa chorar, por mais que tente parece que apenas escorrem lágrimas invisíveis, o meu coração transformou-se em pedra com todos os acontecimentos que decorreram ao longo de toda a minha vida. Por vezes penso se não era mais fácil fugir, deixar tudo para trás e começar uma nova vida, com outro nome, outra personalidade e apagar da minha memória toda a merda que aconteceu comigo. A vida foi dura para mim, dura de mais e por mais que diga que sou forte parece que já não consigo aguentar mais, sinto uma grande frustração ao olhar para o passado e saber que o meu futuro vai ser igual ou pior. Eu tento dizer que sou capaz e que vou conseguir, mas lá no fundo eu sei que não passo de um falhado e patético rapaz que tentar ser uma pessoa que não é. Sou aquele rapaz que sonha com a universidade que não vai conseguir entrar, porque não consegue acordar para a vida e fazer a disciplina que lhe vai fazer ficar mais um ano na escola, sou aquele rapaz que sonha em ser um grande ator e aparecer em telenovelas e séries de renome, bem como atuar nos vários palcos espalhados pelo mundo, mas que na realidade vai ser apenas mais um daqueles que tentam a vida da ribalta e falham miseravelmente porque não tem talento. Eu sou aquele rapaz que sonha em um dia ter liberdade, mas que vive na mentira cada vez que chega a casa e não tem coragem de encarar a própria família para defender o seu amor. Eu sou aquele rapaz que por mais que diga não tem coragem de dizer que é gay para os seus familiares com medo de que eles me façam o pior. Eu tenho vergonha da pessoa que sou e da pessoa que me tornei. Sou uma pessoa mesquinha e que finge que sabe o que está a fazer. Eu não sei o que faço e cada vez que dou um paço, avanço completamente às cegas.

Eu queria ser diferente, mas não consigo, existe algo que me prende e não me deixa avançar. Eu tenho que falar mas não consigo. Eu tento e nada sai. Na minha cabeça as palavras nojento ecoam de uma forma pesada. Na  verdade ninguém sabe da verdadeira história, ninguém sabe o porque e tenho vergonha de o dizer, por isso prefiro viver na minha própria mentira e tentar acreditar a todo o custo que é verdade.

Comecei por sentir um misto de sentimentos, mas afinal só tinha medo de saber qual deles é a verdadeira razão de estar assim. É o medo. É o medo de ser quem sou, e de lutar pelo que acredito. E cada vez que vejo que ela age como se nada tivesse acontecido parte o meu coração. Parece que nada se passou, mas verdade passou-se tudo, uma tentativa falhada de um filho se assumir para a sua mãe, que como se fosse a maior abominação fez com que negasse tudo aquilo que era por mais que isso me doesse. Ainda dói e vai continuar sempre a doer. Tento falar, mas as palavras são travadas e nem conseguem sair da minha boca. Eu tenho que respirar, tenho que conseguir fazer aquilo que neguei da primeira vez, mas cada vez que penso que estou mais perto dessa meta, o meu coração parte-se em mais um pedaço. Neste momento perdi a conta de quantos bocadinhos tenho na mão, guardo-os todos na esperança de um dias os conseguir concertar, neste momento sou despedaçado e os pedaços que começaram um dia grandes agora parecem grãos de areia que cuido como se dependesse deles para viver. E dependo, mas é muito mais fácil dizer que está tudo bem, falar que sou feliz, quando não o sou e dizer que gosto quando não gosto. Eu tenho raiva, eu tenho desgosto de seres assim e tenho raiva por saberes que estou a sofrer e mesmo assim não me vires ajudar, na altura em que mais preciso de alguém estou sozinho, parece que estou um deserto e ninguém me ajuda. Na verdade todos me tentam ajudar, mas a única pessoa que pode não o faz. Eu tenho tanta raiva disso, eu tenho raiva de todos os outros serem felizes menos eu e de ouvir histórias em que são totalmente apoiados. Eu sorrio ao ouvir que alguém os aceita, mas por dentro choro por não ter sido aceite.

Não há um dia em que não pense que vais mudar, e que no dia a seguir vais chegar ao pé de mim e me abraçar com tanta força e que as únicas palavras que vais pronunciar são "desculpa por não ter te ajudado quando mais precisavas, mas eu estou aqui agora e amo-te como és e não quero que mudes". Estas palavras são tudo o que preciso de ouvir para continuar a caminhar o meu caminho. Não há um dia em que não pense nessa mudança, não há um dia. Eu tenho medo que esse dia não chegue e tenho que um dia não te possa apresentar o meu marido e que um dia não possa te apresentar os meus filhos e tenho medo de um dia ter que dizer a eles que a sua avó não me aceitou. Eu tenho medo de que morras sem me aceitares. Antes do dia 27 de junho de 2018 pensava que quando me assumisse se me aceitasses ou não iria ser indiferente, mas afinal faz muita diferença não me aceitares porque eu preciso da minha mãe aqui e preciso que ela me ouça e me aconselhe, eu preciso que ela esteja lá quando tiver o meu primeiro coração partido e preciso que ela esteja no meu casamento para que veja que eu vou ser feliz, mas cada vez que penso que isso pode não acontecer choro, e pergunto porquê a mim. Tudo tinha sido tão mais fácil se eu não fosse gay. Eu quero e sou gay, mas eu sofro muito com isso e quando penso que posso perder a minha mãe por isso um faca trespassa todo o meu corpo até acertar em cheio no meu coração. Tudo o que eu pedia era para ser feliz, mas a vida não foi justa comigo. Eu preciso de ajuda, por favor ajuda-me a ser feliz.

24 de fevereiro de 2019

Marble quebrado
Tronco Quebrado
2º Período
1º Período

2º Período

1º Período

3º Período

3º Período

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